terça-feira, 27 de outubro de 2015

Minha experiência com a Ayahuasca

Minha experiência com a Ayahuasca
Por: Gustavo Cartaxo

Oi, a alguns dias resolvi passar pela experiência de tomar uma droga! Uma substância, uma bebida, na verdade é uma mistura de algumas plantas dissolvidas e cozidas em água que possuem características, vamos dizer, psicodélicas. No Brasil existe uma religião baseada em tomar essa bebida uma vez por semana e realizar certos rituais, chama Santo Daime. Na Amazônia, onde ela foi descoberta por índios a muito tempo, ainda existem Shamans que vendem a cerimônia para pessoas da civilização. Como estou morando na Europa, o único lugar que eu poderia beber essa substância seria na Holanda, e foi o que fiz.
Descobri um site que oferece a bebida junto com uma cerimônia e resolvi me inscrever, eles me enviaram um livro de 300 páginas para ler e eu li. Fiquei com a ideia na cabeça de que a droga me permitiria viver os sentimentos que guardei durante minha vida, colocar pra fora meus traumas, isso faria eu entrar em contato com minha inner child, seria como se a sociedade sujasse meu espirito durante minha vida, e a experiência pudesse limpar. Além disso, o livro disse, que a substância me permitiria viver minha vida no meu full potential, e descobrir o que eu deveria fazer de minha vida, e ainda tinham pessoas que ganhavam poderes depois da cerimônia, como clarividência e premonição.
Vi vídeos de pessoas tomando a Ayahuasca, experiências diferentes, mas uma coisa em comum, passaram por momentos difíceis ou muito fortes durante a viagem, e preferem o mundo que enxergam depois da droga.
Foi com essas expectativas que cheguei no lugar, eu queria mudar algumas coisas na minha vida, queria achar algumas respostas. As perguntas que fiz pra Mother Ayahuasca, foram o que é vitalidade? Com isso, o que eu devo fazer de minha vida? e o que é amor? Com isso porque eu não me envolvo em relacionamentos sérios sabendo que não tenho dificuldade em atrair algumas mulheres?
Cheguei uma noite antes, apenas eu e mais dois dos dezenove participantes chegaram uma noite antes, resolvi fazer isso para conhecer melhor o local, para tirar todas as dúvidas que o livro me deu e para extrair o máximo que podia das pessoas que ali estavam. Conheci Cristian, da Roménia, 27 anos, primeira vez que saiu de seu país, não gosta do emprego e acha que lhe falta vitalidade. E Martin, 37 anos, Sueco que mora em Londres, trabalha com vendas, também insatisfeito com o trabalho e com o fato de achar que nunca amou na vida. Os guias que ali estavam eram muito amorosos e calmos, estabeleciam um contato visual muito forte de primeira, senti como se existisse uma conexão entre as almas quando havia o contato visual. A primeira que conheci foi Eva, uma mulher de 40 anos, gostosa, que me apresentou o local; um cara de 25 anos, forte, que parecia um leão e foi ele quem fez a bebida; Geke, a dona do local, com quem eu tive uma conexão muito boa, até por e-mail; Dennis, que tocaria durante a viagem; Yuka, um jovem que foi guia pela primeira vez e estava ansioso para ir bem e contratarem ele; e Irene, uma mulher de 50 e poucos anos muito calma e amorosa.
No dia seguinte, conhecemos todos os participantes, todos eram pessoas muito interessantes do mundo todo e de todas as idades acima de 23 anos. Apenas 4 já tinham bebido a Ayahuasca antes, e todos estavam ansiosos para experimentar. Tinha um casal de Liverpool; um casal de jovens que moravam na Alemanha, a garota tinha uma relação muito forte com seus sonhos, as vezes sem saber distinguir sonho de realidade; dois jovens rapazes que não acreditavam em nada que o pessoal da cerimônia fazia, estavam pela experiência com a droga psicodélica; não vou me alongar na explicação do local e das pessoas, pois apesar de ter gostado muito delas, não é o interesse desse texto.
Na manhã fizemos uma sessão pra nos conhecermos, depois tomamos sopa, depois fizemos uma sessão de dança, o objetivo era esquecer do julgamento social, e deixar seu espírito livre. Para mim, como para todos, foi muito difícil esquecer que eu estou sendo julgado, principalmente porque eu danço bem. O que achei muito interessante sobre a dança foi que fizemos exercícios de dança em dupla, e isso era sobre a conexão, olhos fixos uns nos outros, sentindo os movimentos dos corpos se alinharem, muito bonito. Uma dança mais sexual aconteceu também, foco nos quadris, gostei muito de dançar com uma holandesa jovem e com Eva, os olhos delas que não piscavam e que conectavam sua alma com a minha, mesmo que minha alma só estivesse pensando em fazer sexo com ela. Ao fim, trocamos momentos de compreensão individual com cada um, olhos nos olhos, uma mão cobrindo a outra, foi muito bom para todos se sentirem bem com ambiente e com os outros, para se prepararem para a Ayahuasca.
Depois de um intervalo, fizemos a última coisa do dia, uma sessão de breathwork, se tratava de respirar bem rápido durante 50 minutos, enquanto sons eram tocados. Logo no inicio senti meus braços travados e encolhidos, fiquei com medo da experiência e fiz pausas, em um determinado momento, comecei a senti vontade de chorar, e a falta de ar que sentia quando me sentia angustiado quando era pequeno. Quando a sessão estava no fim, eu me senti muito mal e pedi ajuda, guias vieram me ajudar me dando conforto, agradeci muito a ajuda, mas fiquei sem entender porque me senti mal. Essa experiência me fez sentir medo da Ayahuasca, pois me senti mal, sem saber o porquê.
Conversamos durante o final da noite, e nos preparamos para a manhã seguinte, na qual tomaríamos a bebida logo pela manhã. Dormi na sala onde aconteceu todas as cerimônias e onde aconteceria a cerimônia principal.
Todos vestiam-se totalmente de branco, deitados em seus colchões, com bacias próprias caso queiram vomitar, e vendas para os olhos, todos preparados, eu, cheio de medo e ansiedade. Geke falou bastante, meditamos juntos, e me deram um copo da bebida. Após o primeiro copo eu sentia ondas de menos medo ou mais medo, mas não me senti nem um pouco mal, aceitei o segundo copo. Geke falou que poderíamos tomar um terceiro copo, mas não era necessário, comecei a me questionar se era pra mim, pois não estava entrando na viagem. Lembrava do livro que dizia que era melhor entrar na viagem sem tentar entende-la, mas eu sentia que minha mente ainda estava ali tentando entender tudo, pedi um terceiro copo para que a Ayahuasca ganhasse de minha mente, e foi o que ela fez!
Senti minha alma querendo sair do corpo, mas a parte do peito era mais pesada e não saia. Entendi então que havia algo errado com meu peito, visualizei meu chacra do peito e resolvi abri-lo, como num desejo de liberar meus sentimentos guardados! Não aconteceu nada, me senti normal, escutei pessoas gritando e chorando, tirei a venda e observei onde estava, coloquei a venda nos olhos de novo. Comecei a sentir coisas que não lembro ao certo, e por alguma razão resolvi tirar a venda e vivenciar aquilo no mundo real não só na minha mente. Primeiramente me senti me transformando em um animal, meu rosto virando o de um tigre, eu rastejando feito uma serpente. Lembro que comecei a achar que eu era um Shaman, fiquei só de cueca pois achava que as roupas eram representações da relação social, e eu não precisaria daquilo sendo um Shaman ou animal. Visualizei minha vida como sendo um ser forte que quer dominar e sentir o mundo, antes, eu enxergava minha infância como uma criança fraca e com pena de mim, isso mudou. Senti o poder de ser malvado também, nunca quis admitir mas nenhum ser humano é totalmente bom ou totalmente mal, e eu senti como posso prejudicar os outros, senti veneno saindo de minha boca, logo depois disso vomitei. Vomitei imaginando que eu estou expelindo o resto do veneno, o veneno que corrói minhas relações com as pessoas de que gosto, o veneno que corrói minha própria vida.
Depois disso, estava empolgado em ser alguém que controla o universo, e quis testar isso, quis sentir o poder. Em um dado momento tentei alcançar o céu, tentei ser maior do que eu mesmo, estiquei meus braços em direção ao teto. Depois de alguns segundos eu cansei. Mais tarde, eu percebi que isso era minha característica egocêntrica e eu tive que entender meu espaço aqui na terra, minha pequenez.
Saindo disso olhei para meu corpo e me senti insatisfeito. Batia em minha própria face diversas vezes ao pensar em algo que não gosto em mim, percebi quanto sou duro comigo mesmo e o mal que isso me faz.
Depois, senti meu corpo ficando velho, perdendo energia, me senti morrendo, perdendo toda a energia da vida, visualizei vermes nascendo de uma fruta podre, meu corpo se contorcia. A experiência da morte foi horrível, e tenho certeza que nunca mais vou cogitar a hipótese de suicídio pelo resto da minha vida. Essa experiência só não foi a pior da viagem, porque a pior aconteceria em seguida.
Voltando da morte, da completa falta de energia no corpo, eu imaginei sendo um velho que não conhece ninguém, fechado, que ninguém ama, senti aos poucos a falta de amor. Meus olhos viraram, e eu emitia um som de completa tristeza e sem esperança nenhuma de retorno, imaginei que talvez eu precisasse de ajuda, mas lembrei que o livro falava que devemos enfrentar o que aparecer o máximo que conseguirmos. Lágrimas saíram de meus olhos, olhos que eu não conseguia abrir como se eu estivesse totalmente imergido na falta de amor. Desisti de enfrentar aquilo sozinho, levantei os braços pedindo socorro, sem conseguir gritar, desesperado para sair daquela situação. Irene e Yuka vieram, dei um abraço neles, senti o amor que eles me passaram! Foi o melhor abraço da minha vida! Entendi, ou melhor, senti o que é o amor, senti que eu havia aprendido a viver o mundo sozinho, e que a necessidade do amor vem de uma fragilidade, de uma incompletude, fragilidade e incompletude que a criança forte aprendeu a esconder, junto com parte dos seus sentimentos, e a partir desse dia, não esconderia mais.
A partir daí, minha viagem foi sentir os sentimentos e uma criança, me sentir como uma criança de novo. Tentando satisfazer suas vontades, abraçar quem quiser, ir ao banheiro quando quiser, beber água! Se comunicar, beijar Geke na boca! E a transição entre essa criança de cueca e o mundo real foi acontecendo aos poucos, quis trazer o máximo dessa criança pra minha vida!
Aos poucos fomos uns aos outros contando nossas experiências e partilhando as coisas em comum, todos estavam curiosos para entender os barulhos que eu havia feito, mas esse texto é a primeira vez que tento explicar tudo de uma vez. Aos poucos nos despedimos uns dos outros, abraços gostosos e sentimentos de saudades. Alguns outros dormiram lá mais uma noite, como eu, e trocamos mais conversas.
Uma conversa vale a pena ressaltar, algumas pessoas estavam falando de mudar de emprego e de mudar de vida pra uma vida que gostam totalmente, eu achei isso infantil, as vezes é necessário fazer aquilo que não gostamos, mas não falei com ninguém. Na manhã seguinte, como se soubesse da minha angústia, o mais velho do grupo, que parecia um pouco com meu pai me disse que achava aquele papo infantil também, que todos devemos ter um lugar na sociedade e não fugir dela, que a sociedade dá uma base forte e que trabalhar e fazer as coisas que devemos fazer e não gostamos é um ensinamento muito forte. Que a vida é boa porque aceitamos a sociedade, e que se todos só fizessem aquilo que gostam a sociedade não funcionaria.
Estava me sentindo muito bem, todos estavam, mas eu quis mais, lembrava que no livro diziam que se você fumasse maconha no dia seguinte os efeitos iriam voltar, decidi fazer isso, sem o apoio do local e o amor dos guias, no meio de uma cidade movimentada, no meio de Amsterdã!
Fomos Cristian, o casal da Alemanha e eu para Amsterdã, e eu fumei, comi bolinho e fumei com Cristian, comecei a pensar demais, a refletir sobre tudo que aconteceu, meu cérebro ficou perto de fritar e eu fiquei com medo, com medo de ficar maluco. Dormi uma noite em Amsterdã num albergue com Cristian, ele estava totalmente em paz e me falava que eu pensava de mais, ele aceitava a vida e estava feliz. No dia seguinte eu fui com ele até a estação de trem e fiquei sozinho, tinha medo de ficar sozinho com meus pensamentos, falei com um amigo, Gabriel, que está morando numa outra cidade na Holanda, acabei dormindo 3 noites aqui, vou dormir mais uma, e amanhã já estou preparado para passar uma semana numa floresta na Bélgica como havia planejado, antes de ir para o melhor festival de música eletrônica do mundo, a Tomorrowland!
Eu realmente pensei muita coisa e não vale a pena falar sobre elas, mas ao passar dos dias, a medida que fui ganhando confiança na minha mente, comecei a sentir que ao invés de pensar de mais estava sentindo de mais. O medo de ficar maluco estava maior do que jamais senti na vida, quando eu iria pedir ajuda para alguém afirmando que eu não conseguiria dormir sozinho? Quando eu teria tanto medo de morrer como tenho agora? Ou medo de ficar sozinho? Aprendi que ter aberto meu peito me deixou bem mais frágil. Agora eu tenho que aprender a viver com essas coisas no peito, que a humanidade chama de sentimentos.
Das perguntas que fiz para a planta, ainda não tenho certeza da resposta sobre o que devo fazer da vida ou sobre o que é vitalidade, apesar de que senti muita energia e vitalidade quando estava me sentindo uma criança. Essas perguntas levarei comigo para refletir longe da sociedade, durante minha semana na floresta.

Amanhã de manhã estarei partindo! Abraços!

11/07/2014

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